Responsabilidade Social Empresarial: além do investimento financeiro

¹ Carla Marcia Parisi Cecchia
² Katiani Lucia Zape

A responsabilidade social das empresas nos países mais desenvolvidos, por meio das chamadas ações sociais empresariais, não é assunto novo. Já no final do século XIX, o discurso ético se aproximava das idéias liberais e democráticas, clamando maior igualdade de direitos e oportunidades a todos os indivíduos.

No início do século XX, algumas manifestações no mundo empresarial e acadêmico clamavam por um outro papel a ser desempenhado pelas instituições privadas, para além da busca desenfreada pelo lucro a qualquer preço. Essas idéias foram banidas pela linha capitalista mais conservadora do empresariado, taxando-as de heresias socialistas.

Com o crescimento dos movimentos sociais e das lutas pelos direitos civis entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, parte da sociedade dos EUA e da Europa ocidental passou a exigir das empresas um comportamento socialmente responsável. A classe empresarial logo percebeu que a publicização das ações sociais realizadas tinha relevante importância estratégica.

Com o declínio do Welfare State, o Estado perdeu espaço no processo de provisão de bens e serviços à sociedade, cedendo lugar a novos agentes sociais, contribuindo para que as empresas começassem a ser valorizadas pela sua condição de provedoras de emprego, destacando-as como agentes de estabilização social, num papel que ia além do econômico. Uma nova ordem institucional surgiu com o envolvimento das empresas em projetos sociais, provocando mudanças no cotidiano e na identidade de comunidades e indivíduos.

A partir dos anos 80, diversas organizações começaram a trabalhar de forma sistematizada com a questão da responsabilidade social das empresas e a dar maior importância à preocupação com o meio ambiente. Essas manifestações da sociedade contribuíram para denunciar empresas que infligiam os princípios da responsabilidade social, recebendo o título de não-responsáveis ou não-éticas, categoria que nasceu ao mesmo tempo que o seu oposto, isto é, a Empresa Socialmente Responsável. Denunciadas por destruir o meio ambiente, violar os direitos humanos, estarem ligadas à utilização de trabalho escravo ou infantil, as empresas não-responsáveis passaram a sofrer enormes boicotes, impactando negativamente em seus resultados financeiros.

De forma esquizofrênica, empresas passam a adotar um comportamento público como se fossem organizações não-lucrativas, numa espécie de “cumplicidade” e de envolvimento com o seu entorno, estreitando management com direitos de última geração, inaugurando assim uma nova fronteira de negócios, como o marketing social e a responsabilidade social empresarial (RSE).

Em geral, as estratégias utilizadas pelas empresas em seus projetos sociais são ainda incipientes, o que nos leva a inferir que há maior agregação de valor à imagem empresarial do que à comunidade beneficiada pelos projetos. Nesse sentido, cabe questionarmos até que ponto a responsabilidade social empresarial é percebida como promotora de eqüidade social.

Em primeiro lugar, uma rápida análise da literatura existente sobre o tema revela que há várias e conflitantes definições, como por exemplo, aquela que considera a RSE como mero cumprimento das obrigações legais (trabalhistas, fiscais, tributárias etc), ou a adoção de programas e benefícios conquistados pelos funcionários em negociações trabalhistas. O que se espera das empresas socialmente responsáveis são ações que vão além do que é requerido por lei, por obrigação ou por necessidade.

O avanço industrial e seus conseqüentes efeitos colaterais de desagregação social têm forçado as empresas a buscar um equilíbrio entre seus interesses e as exigências provenientes de fora da organização, motivando-as a interagir e atuar na área social.

No entanto, as ações de RSE, especialmente aquelas desenvolvidas por empresas transnacionais, ocorrem num cenário extremamente complexo, onde os conflitos gerados no plano global versus regional são marcados por contradições e subjetividades.

Não raramente, empresas desenvolvem práticas de RSE sem considerar o capital social das pessoas envolvidas nos processo. É difícil assistirmos a proposições empresariais de ações participativas com os beneficiários, as quais são capazes de construir parcerias, identidade e revelar as reais demandas sociais das comunidades. O comumente encontrado são ações que refletem a percepção do investidor e também sua prepotência e “supremacia” cognitiva.  Deve-se ter muito cuidado com atitudes como estas, uma vez que elas podem levar ao fracasso todo o investimento realizado, além de colaborar para a degradação da imagem da empresa.

Ao propor o desenvolvimento de uma política de Responsabilidade Social a empresa deve estar consciente que irá necessitar mais do que recursos financeiros. Há outros fatores que devem ser considerados, pois em alguns casos são tão importantes quanto estes, e às vezes, mais onerosos que os primeiros, uma vez que exigem conhecimento e mudança comportamental/cultural, disponibilidades estas nem sempre encontradas entre os gestores empresariais.

Em nossa percepção é impossível conceber a política de RSE atrelada a um único departamento ou então a um funcionário. Para a boa condução deste processo é necessário o devido envolvimento e participação de todos os colaboradores da organização, indiferente dos setores em que se encontram e atuam. Motivar a participação dos funcionários pode ser tão complexo quanto incentivar a alta diretoria. A fórmula para esta motivação ainda não está disponível no mercado, porém acredita-se que entre seus principais componentes está a sensibilização destes públicos, por meio da linguagem pátria de cada um deles.

Outro fator que consideramos ser de total relevância é o conhecimento da temática em que se pretende atuar. O mesmo cuidado que uma empresa tem ao realizar estudo de mercado para a confecção de um novo produto deve tê-lo para o desenvolvimento de sua política de Responsabilidade Social. Para o retorno do investimento realizado a empresa deve conhecer a realidade em que se propõe atuar. Não basta apenas escolher uma causa é preciso saber onde estão seus fatos geradores e em que domínio o investimento pode fazer maior diferença.

A responsabilidade social empresarial muito se distancia da simples destinação de recursos de forma aleatória e pulverizada. Antes de qualquer coisa requer conhecimento e real envolvimento dos membros que compõem a organização. Sabemos que este processo não é nada fácil, pois requer mudança comportamental de pessoas nem sempre pré-dispostas a isto. Contudo, da mesma forma que temos convicção da lentidão deste processo tem-se de sua irreversibilidade, ou seja, não há mais volta. Cada vez mais a sociedade vai clamar, cobrar e preferir empresas socialmente responsáveis.

Cabe ressaltar, porém, que as empresas se beneficiam dos resultados dessas atividades sociais. Afinal, não existem bons negócios em sociedades falidas. Ao desenvolverem ações sociais que fortalecem a sociedade civil, as empresas transformam essa mesma sociedade, tornando-a mais articulada, mais capacitada para lidar com fluxos de informações cada vez mais densos e mais estruturada para mediar conflitos.

Mas o que não se pode esperar é a que a RSE seja considerada uma panacéia para todos os males sociais, pois não estamos tratando de uma questão moral, mas sim de interesse econômico das empresas e que, quando bem conduzida, também traz benefícios para a sociedade. Não devemos em momento algum ignorar o papel do Estado ou acreditar que as empresas podem suprir as mazelas sociais, até porque seu motivo existencial se justifica na geração de lucro e não no socorro social.

 

  1. Matemática, Mestranda em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Política e Gestão do Terceiro Setor pela Universidade de Brasília.
  2. Advogada, mestranda em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador – Salvador – BA, e especialista em Terceiro Setor pela Faculdade Fátima de Caxias do Sul.