Escrito por: Gisele Valverde
©️Marcos Santos/USP
Uma pequena história de romantismo
A pele que habito não me serve mais. Ela abriga uma mulher que está cercada de ar e mesmo assim, lhe falta respiração. A gota que transborda o copo tem um gosto amargo, e me pergunto se melhor seria estar insegura enquanto os resquícios de liberdade me eram gratos.
Por fora, silêncio. Por dentro, barulho. E assim segue sendo a vida de tantas sujeitas as penalidades de seus algozes, que outrora usufruíam das vestes de amado. Como as estações mudam de figura e mudam a figura?
Voltando no Tempo posso até perceber nos flashes a brisa da boa vida, quando presentes e passeios eram da rotina. Nada parecia ser capaz de interromper o ciclo não-óbvio dos acontecimentos. Mas é preciso ser perspicaz para descobrir na sutileza os suspiros de alegria que me foram tomados, sorrateiramente. Grande inocência pensar que as marcas e manchas são as piores consequências que se eternizam. Posso ser violada na opinião, na roupa, no comportamento e por vezes a tal palavra dita que não tem volta, fere mais afinco do que a força. Mas quem sabe e sofre, há de concordar: nada supera o grito. Ele paralisa, seca a garganta e estremece a estrutura que por segundos, não entrega nada além de olhos esbugalhados e mãos gélidas. Infelizmente, é a partir dali que o quase impossível, acontece.
Cresci ouvindo que o sexo frágil não tem vez. Acreditei que não chegaria tão longe pelos caminhos que percorri e quase me arrastaram para o abismo. Mas qual foi a minha surpresa, quando vi ao longe rostos desconhecidos e agradáveis, me estendendo a mão; não estava sozinha. Quando acreditei que seria o fim, a vida me ofereceu novas razões para continuar.
Romantismo x realidade
O romantismo cega a realidade; funciona quase como uma cortina de fumaça, que impede as vistas de alcançarem a frieza dos fatos. Quem está imersa nunca terá como dimensionar quaisquer problemas, e seguirá na crença de que lhe foi acometido um momento efêmero de fúria e que assim como o amanhecer, tudo se fará novo. É neste círculo vicioso que muitas relações abusivas se prolongam, desgastando o pouco de vida que ainda resta.
Homens: sejam companheiros de suas amadas. Construam nos seus ritmos a confiança, a parceria e principalmente, a permissão de ser o que se é. Presentes não substituem presenças; estejam e sejam, e isso importa. Pais e mães: fortaleçam suas grandes mulheres. Ensine-as a querer mais e buscar o melhor, faça-as acreditar que podem e que conseguem chegar em qualquer lugar, e melhor: sozinhas.
Enquanto você lia esse texto, algumas mulheres sofreram algum tipo de violência e nem entendem o que isso significa. Por elas e por tantas outras: não escolha o silêncio. Ligue 180 e ajude a construir recomeços.